Sonho. Arrumo a mala e sonho.
Fujo. Abro a concha e fujo.
Sinto. Descubro o mundo e sinto.
Cheiro. Fecho os olhos e cheiro.
Corro. Penso no regresso e corro.
Volto. Toco na terra e volto.
Mudo. Porque fui, mudo.
Escrevo. Para nunca deixar de ir, escrevo!

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

"Negócio Molhado"

História de uma venda na margem do Nilo


“Siñora, Siñora, una mantilla … 5 euro!”

Estava eu como lagartixa, relaxada ao Sol do Egipto, bebendo um adocicado sumo de laranja, e redigindo todas as peripécias de umas maravilhosas férias, quando toda a minha trupe de viagem se dirige atabalhoadamente para a proa. Numa curiosidade emergente de saber qual era a agitação sonora que nos chegava ao terraço, todos interromperam as suas sessões de solário “au naturel” e correram a ver o que se passava na margem do Nilo. Sigo-lhes o exemplo. Espantada com a imagem com que me deparei, agradeci ao Sol por me ter convidado a levar a máquina fotográfica para o terraço.

Um homem moreno, com entradas maiores que a sua idade real, escondia-se por detrás de um grande pedaço de tecido estampado em homenagem à grande rainha Cleópatra (Foto nº1). Não compreendi o que fazia, expondo aquele pano colorido aos turistas que se banhavam nas piscinas dos grandiosos navios. Também não percebi se aquele pano era um pareo, uma toalha de praia ou simplesmente uma tela decorativa. Aliás, não percebi nada até ouvir o seu “pregão à maneira do Bulhão”: “Siñora, Siñora, una mantilla … 5 euro!”. Um vendedor!

Dois vendedores, três vendedores … um mercado de vendedores ambulantes a formar-se em velocidade de cruzeiro (Fotos nº2 e 3). Todos caminharam lado a lado connosco (Foto nº4) , juntando-se num pontão que anuncia a chegada à esclusa de Esna, e entoando cânticos de venda em espanhol, inglês, “portunhol” e “espanglês” (Foto nº5).

Ainda eu mal tinha formulado a interrogação relativa ao modo como estas vendas se poderiam concretizar, quando tive de me desviar de um rolo das ditas mantillas, arremeçado ferozmente e com muita perícia para o terraço do navio (Foto nº6). “Wooow! Ahhh! Ohhh!” Portugueses, espanhóis, japoneses e alemães, todos exclamaram em simultâneo a sua surpresa por tão original mercado ambulante. Os gritos morenos ouviam-se lá fora (Foto nº7), enquanto a multiculturalidade embarcada se juntava a conjecturar quanto ao risco que estes vendedores correm de perder as suas mercadorias. Todos pensámos que devem existir muitos turistas a aceitar estes arremessos como oferendas. E até cheguei a pensar que se algum insistisse em acertar-me na cabeça, daria o impulso para uma sinapse que determinaria qual a recordação a oferecer à Tia Maria. Ainda estávamos distraídos nestes pensamentos e na observação das coloridas toalhas de mesa, quando um Indiana Jones espanhol observa: “Vamos, vamos, dale la mantilla … El tiene una arma!” (Foto nº8). Não creio que seja habitual disparar balas assim como atiram toalhas, mas … nunca fiando. Precavendo-me, nem toco mais em nenhuma mercadoria voadora. Observo, fotografo, delicio-me!

Chegada a vez do nosso navio entrar na esclusa, os vendedores apressam os turistas indecisos (Foto nº9). Dá-se então início ao despique de regateio que faz parte de todo o comércio egípcio, seja ele terrestre, aquático, ou mesmo voador. Os 5 euros iniciais são contestados até à exaustão e em todas as línguas. Os vendedores vão cedendo a pouco e pouco, mas o navio já lhes foge. Já há muito que os preços se equiparam ao de uma “bica” na capital, mas os turistas ainda regateiam. Que exagero! Será que não percebem que é a extrema pobreza deste povo que leva as crianças a estender a mão à Europa e pedir “un euro, siñora!”? (Foto nº10) Pego numa nota de 5 euros e coloco-a no saco que os demais turistas conscientes utilizaram para recompensar atiradores de mercadoria têxtil. Não quero uma mantilla ! Quero apenas registar este momento, imortalizá-lo em megapixéis, e nunca me esquecer que sou rica, mesmo quando me sentir pobre. E que bonito seria se todos tivéssemos registado este momento com os mesmos metadados … Enfim, mas uma madura senhora continuava a exigir “rebajas” que não condiziam com o ouro que carregava, e um dos vendedores ganha toda a razão para o “Catalana tacaña!” (Fotos nº 11 e 12) que lhe arremessa em troca. Felizmente, um homem igualmente maduro, rouba-lhe a palavra e o lugar, e dá o seu melhor no lançamento de notas. Era o marido da senhora! Estava deliciada com toda esta acção em tão poucos minutos. Pena, que a idade avançada do senhor já não o deixasse ter pontaria egípcia, pois o saco das notas caiu na água (Foto nº13).

Entrávamos já na esclusa, quase perdíamos de vista os vendedores, quase dava como afundada a boa vontade de tantos turistas … mas ainda consegui ver despido de pudor e de rancor, o vendedor acenar a agradecer e atirar-se do alto do pontão em busca de gratidão (Fotos nº 14 e 15). Conseguiu! (Foto nº 16)

Negócio fechado! Negócio Molhado! 






















quarta-feira, 14 de abril de 2010

Ti-Nó-Ni em inglês


“Miss, Miss … are you ok? Do you see me?”


Um Sábado à moda inglesa. Acordar cedo e cedo erguer para pôr este corpinho a mexer.
Lides domésticas já bem adiantadas, quando o telefone me convida: “Bora dar um passeio pela Broad Street?”
“Obrigado Luís, mas hoje não estou para aí virada!” Não consegui forçar um “sim” e foi esta a resposta que viajou pela linha telefónica da residência universitária até ao quarto do Luís. Mais um dos seus aliciantes convites, cuja tradução já me era bem conhecida: Sports Cafe. Procurar um lugar de pé, na rua, talvez até longe da porta. Perder-me no reino da cevada e ficar esquecida na sombra de hulligans que vêem derbies da Liga do Uzbequistão a duas dimensões (a “pouco sóbria” e a “quase bêbeda”). Não estava mesmo “para ali virada”.

Arrumava as últimas peças de roupa quando o veneno consumista se apoderou da minha Razão: hoje há mercado em Saint Martin … E, em menos de um pestanejo já tropeçava na multidão que todos os fins-de-semana desfila pela New Street. Apreciei a nova colecção Primavera/Verão 2004 dentro e fora das montras deste afluente das principais credoras inglesas. Uma prima da Rua Augusta, povoada de artistas de todas as formas e cores, mas despida de janelas de madeira e de floreiras penduradas.
Superado o desafio de ultrapassar a barreira humana que, junto da quase inaugurada Megastore Adidas, poluía o chão com balões rebentados e o ar com um ruído ensurdecedor, abandono esse rio de gente em histeria e cruzo a esquina mais satisfatória da cidade de Birmingham. New Street com a High Street.
Bastam alguns metros para trocar barulho por melodia. Excelentes ritmos metálicos fazem-me descer a escadaria do Bull Ring sem parar no Borders para umas horas de leitura despreocupada. Hoje há música no mercado? Sim, na sombra da igreja Vitoriana de Saint Martin um grupo de músicos cuja nacionalidade não adivinho, nesta cidade tão multirracial e multicultural, bate harmoniosamente sobre instrumentos metálicos que a minha ignorância de gourmant destinaria à cozinha. A sua plateia esconde-se nas avenidas e nas ruas secundárias por entre bancadas de frutas, doces, sapatos e roupas. Os pregões de “it´s only one pound each” parecem mais melodiosos para esta plateia, que vai ondulando o largo do mercado e enchendo sacos ao ritmo das percussões. Só eu e mais dois casais de passagem, paramos e gozamos dos nossos lugares de primeira fila em plateia de pé. Com a libra que poderia ter servido para mais uma camisola na banca do Collin, bebo um granizado de melão, ao som de um Jingle Bells fora de tempo.
Tudo parece fora do lógico neste quarteirão. É a música de Natal que embala a Primavera. A Igreja Vitoriana do século XIX que se reflecte nos prateados discos do ultra-moderno antro comercial do Anel do Touro (Selfridge’s Bull Ring). A palete de iogurtes a três libras e o vestido de lantejoulas douradas a uma libra. Este é o quarteirão que melhor define a cidade: a Birmingham dos contrastes.
Totalmente inebriada pelo ritmo tilintante e perdida no tempo, vagueio pelo mercado esquecendo-me de comprar iogurtes ao Mr. Boham. Passo pela banca do Collin e não paro para mergulhar no oceano de roupas que as Ladies e Misses mais abastadas da cidade usaram por uma noite e agora se apregoam a 2 libras. Entro no mercado coberto e apresso-me a sair quando a voz rouca da vendedora de cosméticos, me quer fazer esquecer a música anunciando as novas cores dos vernizes Bourjouis. Volto para a rua. Mas, o Sinatra metálico turva-me a vista e tropeço.
Embalada pela dor, tento o percurso da plateia até ao primeiro balcão. Semi-sentada no curto parapeito das janelas do mercado interior, a dor no tornozelo cheira a Fish and Chips. A mãe de adolescência transparente, que ao meu lado, distrai os dois filhos com esse pitéu que eu não percebo, pergunta: “Does it hurt?” Não respondo.

Vejo suspiros e exclamações em fundo desfocado, oiço preocupação e curiosidade com mínimos decibéis. Porque é que sonho com a senhora da banca de gomas? Porque é que ela me abana? Porque é que o Last Christmas toca no carrossel? Porque é que não vejo nenhum carrossel? Porque é que as batatas fritas aqui ao lado me cheiram a sangue?
“Miss, Miss … are you ok? Do you see me?”
Regresso a Saint Martin à velocidade de quem viaja de mula. Esbugalho os olhos e a senhora que me agita continua sem resposta. Não conto as dezenas de pessoas que me rodeiam, mas percebo que sou o centro das atenções. Eu desmaiei. Caí e camuflei o grupo musical. Bati com a cabeça no chão e tornei-me protagonista. Sangrei e o público delirou.
Na arena de Saint Martin todos me queriam ver.

Já sentada numa cadeira que a senhora das gomas trouxe da sua banca, bebo água doce e limpo a testa. Num inglês que me pareceu tão desfocado como a imagem daquela gente, conto que costumo perder os sentidos quando sinto uma forte dor aguda. Explico que já me habituei a reconhecer os sinais de quando vou desmaiar e que tendo a proteger-me. E estou a meio de um esclarecimento quanto à provada inexistência de uma patologia epiléptica, quando oiço aquele ritmo que já não era de percussão metálica. Agora a música em Saint Martin era outra. O ti-nó-ni inglês!

Abrindo alas por entre o trânsito pedonal da Edgbaston Street, uma ambulância fluorescente aproxima-se. O meu público é afastado por dois jovens cujos emblemas da farda devem significar “Sou bonito e forte” e “Deixem passar que sou bombeiro”. Observam. Explico que caí e desmaiei. Afastam-se em murmúrios e encontrões de galifões, enquanto a senhora da banca de gomas me esconde um saco de chocolates no bolso. “If you feel dizzy again, eat some of these! You’ll be fine!”
Não adiantaram de nada os meus argumentos. Não consegui convencer ninguém a deixar-me regressar à residência. E não fiz a desfeita aos bombeiros, que tanto quiseram deitar-me numa maca e imobilizar-me.
Eu, 23 aninhos muito bem disfarçados por entre os genes. Eles, dois bombeiros de 20 mal medidos. Três curvas apertadas a alta velocidade, e o questionário de triagem já incluía perguntas como: então e onde estás a estudar?; estás cá sozinha?; para que clubs costumas ir?
Já eles piscavam os olhos a ver qual dos dois se aventurava na caça ao telemóvel, quando eu deixo de os ouvir claramente. Não sei se da condução igualmente adolescente do condutor, se da ligeira dor que sentia no tornozelo, ou se do esforço que vinha fazendo para não rir desenfreadamente, tive mesmo de recorrer ao saquinho de chocolates. Não percebi quanto tempo passou, porque os rapazes tudo fizeram para me distrair. Mas a distância foi longa. Descarregada no serviço de urgência do Moseley Hall Hospital, Brian, o bombeiro mais loiro, garante a minha segurança e aproveita o inquérito de admissão para não ter de pedir o número de telefone. “Espertinho”, pensei eu. Uma senhora de voz grave mas conversa curta acompanha-me a um quadrado de cortinas, que já reconheço de estágios anteriores. Aguardo na cadeira de rodas. Uma eternidade depois, uma médica ruiva, que se perde dentro de uma bata 3 tamanhos acima, olha para a minha cabeça e eclipsa-se antes que leia o apelido que vem depois de Sarah. Não me disse nada.
Fico esquecida naquela tenda, pelo que pareceu ser toda a era paleolítica.
Estou novamente a vaguear, em sonho, pelos ritmos natalícios de Saint Martin, quando Simon R., me desperta com um sorriso metálico fabuloso. Farda azul com muita goma, sardas moderadas, que contrastavam com o cabelo castanho, relógio amarelo-ambulância. Este era o enfermeiro que, tanto tempo depois, me vinha colar a cabeça e atordoar ainda mais as ideias. Simpático, mais discreto que os bombeiros e com um quarto de século já garantido, doseou dermabond (cola dérmica que só testei em Inglaterra, e que ainda não tinha visto em Portugal) e charme, até me acompanhar à saída. Não se perdeu com recomendações a uma futura colega, e, mais profissional, deu-me o contacto directo do balcão de enfermagem para que telefonasse quando chegasse ao meu quarto na residência universitária.
Lamentei que em Portugal a proporção de enfermeiras para enfermeiros supere a proporção de ovelhas para pessoas na Escócia …
E lá fui eu, rindo de toda esta aventura até ao autocarro que em quase duas horas de curvas e contra-curvas me conduziu a poiso seguro.
“Estou, Luís! E então essa tarde no Sports Cafe? … nem sabes a aventura que vivi hoje … foi a aventura do ti-nó-ni inglês!”

quinta-feira, 25 de março de 2010

English Breakfast


“Não quero ir embora!”

Ainda dormiam os galos de Portugal e as ovelhas da vizinha Gales, quando decidi virar costas e mochila ao luxuoso bairro de Edgbaston, em Birmingham. “Hoje vou conhecer Londres!”
Backpacker por um dia, escolhi o melhor transporte possível para uma aventura de deslumbramento até Londres: o comboio regional do pára-arranca em estações, apeadeiros e afins. Assim que fui descarregada na Marylebone Station os sentidos paralisaram diante das rosas de todas as cores que se arrumavam geometricamente nas bancas, como no Queens’ Garden do Regents’ Park. Estaria eu na Londres dos livros? Onde estavam o cinzento e o frio com que a mesma é caracterizada?
Tive sorte. Era Junho, e o céu britânico aparecia pintado de um ciano, que a Rute me conta não se ter repetido até hoje. Esse último “Verão decente”, como ela diz, foi aquele em que descobri uma Londres com todas as cores do arco-íris. A cúpula do Madame Tussauds’ é verde; as lojas de souvenirs da Oxford Street vendem chapéus de Sol; e o Hyde Park vira praia algarvia em tarde de Agosto, com amontoados de yes men engravatados e adolescentes semi-nuas expostos como lagartixas. Muitos e muitos turistas regressam aos seus países sem o privilégio de descobrir estas particularidades londrinas. Eu, comprei um bilhete premiado naquela estação de comboio em Birmingham!
Horário laboral cumprido nesse início de carreira de nómada, e tanto eu como o Sol não queríamos abandonar Londres. Tinha andado por muitas zonas da cidade, visitado imensos monumentos, fotografado tantas indumentárias futuristas … mas as horas não pareciam ter passado por mim. Ainda havia um mundo por descobrir. Sentia-me leve e cheia de energia. A carteira acompanhava a minha leveza, com as 30 libras que restavam. E o Visa? … ah, esse tinha ficado prometido a Fátima, pois os pecados já tinham sido muitos nos 4 meses de vida académica em Birmingham.

O Sol brincava às escondidas atrás do Big Ben e eu decidi: “Não quero ir embora!”

É então, que no reino dos protestantes, sou assolada pelos pensamentos menos católicos: “E se eu arranjasse um sítio onde dormir a custo zero?”; “E se fosse para o aeroporto?”; “E se inventasse que me tinham roubado?” ... Uma bíblia nada sagrada, onde cada pensamento que me surgia era uma passagem mais pecaminosa que a última. Shame on you Ana!
Mas quem disse que eu sou a santinha que aparentava a essa data? Quando o negava, ninguém acreditava. Então … resolvi que no regresso teria de provocar uns sonoros e adequados “Oh my God!”, para que acreditassem de vez, que aqui há lobo escondido em pele de cordeiro.

Waterloo Station

Emblema histórico que muitos visitam para relembrar os viajantes que partiam em missão militar, e em que escritores como Emily Grayson (autora do romance Waterloo Station) foram buscar inspiração para descrever a dor das muitas mulheres que ali beijavam pela última vez os seus companheiros. Esta estação, que numa pequena mancha de tempo permite a empresários e turistas passar de Londres a Paris, foi a premiada na minha selecção disfarçadamente racional do local perfeito para dormir (sem pagar).
Decisão tomada, aproveitei a noite londrina dos clubs e dos artistas de rua, até me fazer ao caminho. A escolha menos dispendiosa em tempo e dinheiro, uma vez que o trajecto foi feito a pé pela Tower Bridge e pela espelhada margem do Tamisa.
“Local perfeito”, foi o suspiro à entrada na estação. Dezenas de backpackers em topo de carreira dormitavam ou jogavam cartas nos bancos da cafetaria. “Eu, sou só mais uma”, foi o pensamento até à chamada para o último Eurostar do dia, altura em que todos partiram em manada, e só eu fiquei esquecida. “E agora?”, pensei a cada varridela que a empregada da cafetaria dava nas minhas botas cansadas. Fui empatar tempo aos toilets, abençoei o hábito de estagiária de enfermagem que carrega o necessaire como se do B.I. se tratasse, escolhi a roupinha para o dia seguinte (camisola de dentro passa para fora, vice-versa, a cuequinha S.O.S., e está o assunto arrumado!) … “chichi e banco”! Silêncio era coisa que não calculei existir num local como aquele, mas a verdade é que à 01h00 consegui ouvir o zumbido de um ou dois mosquitos antes de adormecer como um feto aconchegado num útero de ganga (blusão de ganga que parecera tão inútil debaixo do Sol radiante do dia, e que se revelara tão importante umas horas depois).
Hi sweetie! Do you need any help?”
“Estou a sonhar?”, “Onde estou?”, “O que é que se passa?”
Um segurança da estação aguardava com um sorriso simpático uma resposta minha. “Ai Deus, só passaram 15 minutos … ele já me devia ter visto. Não posso dizer que perdi o comboio para Paris.”
I missed the last train to Birmingham at Marylebone … I’m a student … I’m here alone … I have no money to pay a B&B …”
Oh dear! You’re safe here! If I wasn’t here all night, I’d offer you my place. You can sleep, that I’ll tell my guys to look after you! Do you want a hot drink? I’ll bring you some blankets!”
Definitivamente, isto parecia sonho. Aquecida por um chá com leite e por dois cobertores felpudos, dormi que nem anjo, sem sequer me aperceber do movimento que às 07h30m já agitava aquela estação.
O aroma inconfundível de um café quente e uma voz já familiar:
Good morning sweetie! I brought you breakfast!”
“Isto não pode ser verdade!”, pensei. Pete, um inglês com um sorriso rasgado, que me ofereceu cobertores, chá, vigilância nocturna … e ainda me levou o pequeno-almoço à cama/ao banco. Demorei a acreditar que a bagel de sementes com queijo e presunto era palpável. Mas era tudo verdade! Até o facto de ter sido vigiada por 4 câmaras estrategicamente colocadas em ângulos diferentes.
Demorei-me nos cuidados matinais no W.C. dos funcionários, conheci mais dois dos vigilantes que me protegeram toda a noite e ainda tive a simpática companhia do Pete até à London Tower (primeira paragem de mais um longo dia de turismo).


“Já que eles também trabalham por turnos rotativos … se isto hoje correr bem … vou mas é comprar uns trapinhos para vestir amanhã.”
Eram os meus últimos dias por terras britânicas. Não saberia se, nem quando voltava. E foi em Londres que passei os 3 dias e 2 noites mais marcantes de uma carreira de backpacker que agora já tem mais calos.
Ainda hoje, arrepio-me a cada vez que oiço clichés vindos das entranhas cobardes de quem ainda nem arriscou pisar o solo de sua Majestade, para sequer poder falar do seu povo: “Ah, os ingleses são frios e hostis!”, “Aquilo é demasiado cinzento para meu gosto.”, “São um povo pouco acolhedor.” …

Em quatro meses e meio de vida “à inglesa”, muito chorei pelo bacalhau com natas da mãezinha. Porém, assim que me soltei dos abraços adelgaçantes da família, dormi como uma criança e sonhei que me acordavam com um English Breakfast.